domingo, 4 de outubro de 2009

Dora Suzana Blauth da Rocha

Leo Schneider, o professor de Canto Coral que marcou uma época

Tendo sido aluna de Leo Schneider no Colégio Americano e também no Conservatório de Música da mesma Instituição, tive o privilégio de conhecer
cada um dos seus cinco oratórios: O Calvário (1943), São João Batista (1946), A Purificação do Templo (1947), A Conversão de São Paulo (1948) e Jesus Nazareno (1950) nos quais participei cantando no coral ou como solista.

Fui também sua aluna de piano no Curso Superior de Música, da então Escola de Artes da UFRGS e, de 1973 em diante, após aprovação em Concurso a Docência, sua colega no Instituto de Artes.

Foram anos de rica convivência em diferentes etapas da minha vida...

Conheci o Maestro, como era chamado, quando cursava a primeira série do antigo curso ginasial no Colégio Americano. Era o professor de Canto Coral que, desde a primeira aula, cativou toda a turma, cerca de 40 meninas. Nessas aulas aprendíamos principalmente a cantar, a apreciar música erudita e noções básicas de teoria musical

Música, nos anos 50, era coisa levada a sério pelo MEC - matéria obrigatória em todas as escolas e níveis. Cantar a duas, três ou quatro vozes era absolutamente normal...

Ensinou-nos , primeiramente, que espécie de composição musical era um oratório: falou-nos de “Jesus Nazareno” e passou toda a primeira peça do mesmo, “O nascimento de Jesus”, soprano e contralto, sem juntar as vozes.

Naquele ano de 1953 este oratório era o programa para todas as 8 turmas do ginásio, com apresentação prevista para o fim do ano. Como no Americano éramos só garotas, as vozes masculinas ficaram a cargo dos ginasianos do IPA (escola co-irmã), onde o Maestro também lecionava.

Cada turma tinha um período de aula de Canto por semana e, aos sábados pela manhã, após o recreio, havia um ensaio conjunto de todas as turmas, do Americano e do IPA, no auditório do Colégio, era uma aula imperdível.

Embora fôssemos aproximadamente 400 alunos, não havia problemas de disciplina. Ele, sozinho, ensaiava todos os alunos: as vozes femininas no lado direito da platéia e as masculinas no lado esquerdo. De vez em quando olhares ou sorrisos discretos eram trocados entre alguns cantores....Quando surgia algum ruído de conversa ou risadinhas ele, no palco, em frente ao piano de cauda, simplesmente parava de tocar ou de reger, olhava na direção da fonte do ruído, e abaixava a cabeça. Acontecia, então, um silêncio total que durava uns 30 segundos ou mais... Calmamente e sem qualquer comentário seguia com o ensaio exatamente no ponto onde havia interrompido.

Nos anos seguintes, foram ensaiados: “A Conversão de São Paulo”, “O Calvário” e “São João Batista”, com apresentações no Americano, no IPA, no Theatro São Pedro, em Escolas e Igrejas da Capital e do Interior. Nas apresentações, o Maestro tocava piano e regia, mas houve apresentações acompanhadas de orquestra, onde também era o regente.

Nas aulas por turma havia , ainda, um espaço para apreciação musical. Os 10 minutos finais eram reservados para “conhecermos” um compositor de música erudita, a época em que viveu e sua importância na História da Música.

Sentava-se então ao piano e executava brilhantemente uma peça do referido compositor. Na aula seguinte era outro compositor... mas tocava também os primeiros compassos da peça mostrada na aula anterior, para que a lembrássemos... E assim apresentou-nos a Bach, Mozart, Bethoven, Liszt, Chopin, Brahms, Carlos Gomes e muitos outros. Quando “conhecíamos” cerca de 10 peças, ele tocava partes das mesmas para que identificássemos a música e o autor... Assim fomos tomando gosto pela música dos grandes mestres.

Além dos oratórios, cantávamos todos os hinos pátrios de cor e em posição de sentido, bem como músicas para eventos especiais. Um destes eventos ficou classificado em minha memória como fantástico: “Uma Recepção na Corte de Louis XIV”, que aconteceu no auditório do Colégio Americano.

O Maestro, que planejou e coordenou o espetáculo, também interpretou o papel de Lully, Diretor Musical da Corte.

O palco era o salão principal do Palácio de Versailles, todo adornado com peças de mobiliário antigas (provavelmente emprestadas das salas de visita do internato), candelabros e flores. No lado esquerdo o piano de cauda e lugares para os músicos convidados. A direita lugar para o coral feminino, do qual eu fazia parte e ao centro um espaço maior para as danças...

Lully estava vestido a caráter, com uma peruca branca crespa e segurava um bordão, com que golpeava o chão anunciando cada convidado. O bordão também
era usado para dar início às danças, bem como para manter o andamento das
mesmas...

Instrumentistas, cantores solistas, bailarinos, coral e grupos de dança cuidadosamente ensaiados pelas professoras de educação física, apresentavam graciosos minuetos e gavotas... Todos estavam vestidos a caráter.

Este espetáculo que envolveu direção da escola, vários professores, clube de francês, mães de alunas (que ajeitavam ou emprestavam alguma peça de vestuário ou acessório) e músicos convidados, nos deu uma idéia do luxo, esplendor e bom gosto vivido na corte de Louis XIV.

Nesta época o Maestro era provavelmente o professor mais popular e querido do colégio. Era o mestre sempre disposto a ouvir qualquer aluna: na sala de aula, nos corredores (onde era cercado por muitas) ou no pátio... Ele sempre tinha uma palavra amiga, um conselho sábio ou simplesmente um sorriso para cada aluna.

Sou grata a Deus pela vida do muito querido Maestro Leo Schneider, que com sua música, seu carinho e dedicação como professor, teve significativa influência na minha decisão profissional pela música.


P.A. 03/10/2009.


Dora Suzana Blauth da Rocha