Júlio Posenato
Arquiteto
Bacharel em Música
Arquiteto
Bacharel em Música
28 de Janeiro de 1989
Leo Schneider assinalou sua passagem na vida musical de Porto Alegre com o fulgor de seu carisma. Tantos anos o público o acompanhou compondo peças serenas e límpidas como a sua alma, imune ao espírito agressivo do século XX; regendo orquestras e coros, tocando piano e órgão e, sobretudo, ensinando. O Leo Schneider músico tornou-se um dos cidadãos mais notáveis de Porto Alegre.
Mas não se esgota aí o legado do Mestre. Os seus incontáveis alunos guardam por ele um afeto profundo, reflexo da afeição que dele recebiam. Há tantos professores profissionais, que não cultivam a amizade com seus alunos. Não Leo Schneider. Numa personalidade que revelava o austero de uma formação rígida, intransigente consigo mesma, ao mesmo tempo resplandecia um coração bondoso e sensível que ninguém suplantou em generosidade.
Impossível esquecer Leo Schneider quando se teve o privilégio do convívio. Aquela figura de rosto anguloso, que jamais faltou a uma aula ou que a ela chegou atrasado, que não admitia nuance entre o bem e o mal, sentia-se incapaz de fazer uma simples observação que pudesse magoar o discípulo. Ao invés de “está mal”, “podia ser melhor”. A obrigação de reprovar um aluno causava-lhe perplexidade e angústia. Como estímulo, citava suas próprias fraquezas, com a alma singela de um menino. Lembrava que sua primeira composição, dedicada a uma namoradinha violinista, iniciava com um “dó 3”. Cheio de orgulho, apresentou a obra à moça e ela, constrangida, observou que tal nota não existia no violino.
Como Bach, Leo Schneider colocou na música a transpiração da fé. E tal como Johann Sebastian, para exprimir seu fervor cristão, voltou-se para o órgão. O mais complexo dos instrumentos, o que canta o amor e a ira de Deus; que ocupa do organista a mente, os olhos, as mãos, os pés, o equilíbrio; que para ser tocado exige ciência e fé, razão e emoção. Para Leo Schneider um desafio e um sacrifício, pois uma antiga fratura limitava os movimentos de sua perna esquerda. Em seu tempo Leo Schneider praticamente simbolizou a música organística em Porto Alegre, e incentivou a criação da Associação dos Organistas do Rio Grande do Sul. Esta, depois, o fez seu Patrono.
Uma vida dedicada aos alunos e à comunidade, Leo Schneider sonhava com a aposentadoria compulsória na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando enfim teria tempo de estudar para si.
Mas assim não ocorreu. E é com emoção que passados dez anos de seu desaparecimento, seus alunos o evocam com saudade. Leo Schneider despertou a impaciência dos anjos, que não se conformaram com entregá-lo aos enfadonhos exercícios de técnica, e o quiseram logo para si.
E enquanto alegras os céus com uma música liberta das limitações da matéria, maestro, tu nos fazes falta.
Fonte: Zero Hora, Guia Cultura, 28 jan 1989, p.5.
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