sábado, 2 de maio de 2009

Júlio Posenato


Dez anos sem Leo Schneider



Júlio Posenato
Arquiteto
Bacharel em Música

28 de Janeiro de 1989


Leo Schneider assinalou sua passagem na vida musical de Porto Alegre com o fulgor de seu carisma. Tantos anos o público o acompanhou compondo peças serenas e límpidas como a sua alma, imune ao espírito agressivo do século XX; regendo orquestras e coros, tocando piano e órgão e, sobretudo, ensinando. O Leo Schneider músico tornou-se um dos cidadãos mais notáveis de Porto Alegre.




Mas não se esgota aí o legado do Mestre. Os seus incontáveis alunos guardam por ele um afeto profundo, reflexo da afeição que dele recebiam. Há tantos professores profissionais, que não cultivam a amizade com seus alunos. Não Leo Schneider. Numa personalidade que revelava o austero de uma formação rígida, intransigente consigo mesma, ao mesmo tempo resplandecia um coração bondoso e sensível que ninguém suplantou em generosidade.




Impossível esquecer Leo Schneider quando se teve o privilégio do convívio. Aquela figura de rosto anguloso, que jamais faltou a uma aula ou que a ela chegou atrasado, que não admitia nuance entre o bem e o mal, sentia-se incapaz de fazer uma simples observação que pudesse magoar o discípulo. Ao invés de “está mal”, “podia ser melhor”. A obrigação de reprovar um aluno causava-lhe perplexidade e angústia. Como estímulo, citava suas próprias fraquezas, com a alma singela de um menino. Lembrava que sua primeira composição, dedicada a uma namoradinha violinista, iniciava com um “dó 3”. Cheio de orgulho, apresentou a obra à moça e ela, constrangida, observou que tal nota não existia no violino.




Como Bach, Leo Schneider colocou na música a transpiração da fé. E tal como Johann Sebastian, para exprimir seu fervor cristão, voltou-se para o órgão. O mais complexo dos instrumentos, o que canta o amor e a ira de Deus; que ocupa do organista a mente, os olhos, as mãos, os pés, o equilíbrio; que para ser tocado exige ciência e fé, razão e emoção. Para Leo Schneider um desafio e um sacrifício, pois uma antiga fratura limitava os movimentos de sua perna esquerda. Em seu tempo Leo Schneider praticamente simbolizou a música organística em Porto Alegre, e incentivou a criação da Associação dos Organistas do Rio Grande do Sul. Esta, depois, o fez seu Patrono.




Uma vida dedicada aos alunos e à comunidade, Leo Schneider sonhava com a aposentadoria compulsória na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando enfim teria tempo de estudar para si.




Mas assim não ocorreu. E é com emoção que passados dez anos de seu desaparecimento, seus alunos o evocam com saudade. Leo Schneider despertou a impaciência dos anjos, que não se conformaram com entregá-lo aos enfadonhos exercícios de técnica, e o quiseram logo para si.




E enquanto alegras os céus com uma música liberta das limitações da matéria, maestro, tu nos fazes falta.



Fonte: Zero Hora, Guia Cultura, 28 jan 1989, p.5.

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